Os desafios de um bom católico e sua importância para a Tradição Ocidental

Por Gabriel Ribeiro

gabrielribeiro0004@gmail.com

 

A discussão proposta neste ensaio gira em torno da figura do católico ideal, investigando as características que o definem e seu comportamento perante a sociedade. O artigo também analisa os desafios que um bom católico enfrenta na sociedade moderna, sua relevância no contexto da Tradição Ocidental e em que ele difere de um religioso comum.

Os critérios estabelecidos para esta análise partem da premissa de que todo homem busca a Felicidade pautada na concepção daquilo que é bom.

 

1.    O que é ser um bom católico?

Longe de ser uma definição exata, ser católico implica em não apenas seguir a Cristo na busca pela Verdade, mas também nutrir a fé acerca da santidade de sua Igreja. Ora, é designado bom em algo, aquele que faz esse algo com excelência; e tendo em vista que é comum a todos os católicos o exercício dos Sacramentos da Sagrada Doutrina (a frequente confissão, comunhão, oração, etc), é justo que tiremos de nossa análise o cumprimento desses deveres básicos da doutrina católica tradicional.

Quem é o “bom católico”: aquele que age de forma “perfeita”? Ou aquele que age de maneira consciente com suas possibilidades?

Sendo humano, o “bom católico” não está livre de pressupostos universais (a serem melhor tratados adiante). Isto significa que muitas vezes, o que consideramos como “bom” (do ponto de vista espiritual) não passa de uma idealização romantizada sobre a postura que achamos que uma pessoa religiosa deveria ter (MULLER, 2014).

Somos humanos, e como tal, somos falhos. Por isso, também é importante esclarecer que uma pessoa católica pode até tentar não pecar, mas simplesmente não pode deixar de fazê-lo apenas por suas forças, uma vez que a perfeição infringiria a própria natureza humana. Assim, cabe ao bom católico iniciar sua luta diária de aperfeiçoamento visando afastar-se do erro e purificar-se ainda em vida, para reaproximar-se do Todo-Poderoso (KREEFT, 2008).

É possível afirmar que o homem é um produto celestial. A  partir disso, assume-se que seu maior bem e finalidade última está em servir a Deus. O bem é encontrado na religião, pois

“A vida é o culto do divino no interior da alma, e por meio desse culto a alma se desenvolverá em sua própria divindade” (VOEGELIN, 2015, p. 283)

 

Da impossibilidade de ser verdadeiramente feliz sem a prática do bem ou na ignorância, chegamos à conclusão de que a Felicidade e o constante exercício do intelecto estão correlacionados, confirme citado por Aristóteles (1991). Por fim, sabe-se que a própria Felicidade não é efetivamente alcançada sem a amizade, ou seja: parte da Felicidade é refletida na relação com aqueles ao seu redor, caracterizando a sociedade como agente fundamental nesta investigação.

Estabelecidos os requisitos básicos de análise do quem seria um “bom católico”, o próximo passo constitui-se da observação de certo conjunto de características intrínsecas ao adepto sincero da Sagrada Tradição, das mais gerais às mais pontuais, visto que todas essas características são fervorosamente indispensáveis a todos aqueles que desejam trilhar o aprofundamento na Metafísica católica.

Ainda que o foco deste ensaio não seja encerrar tal discussão teológica, é possível notar três atributos gerais necessários a todos aqueles que propõem-se a trilhar a espiritualidade ocidental de forma tradicional, por meio da doutrina católica: a posse de Virtudes, a capacidade de Resignação e a Pureza de atos e pensamentos.

1.1 A Virtude

A princípio, segundo Abbagnano (2007), Virtude designaria uma capacidade qualquer e, posteriormente, certa potência humana. Só então, dos estoicos à Idade Média, culminou-se que a Virtude seria um hábito ou disposição louvável do ser humano perante a vida. Entende-se aqui a prática do bem ou o hábito de fazer o correto (de acordo com a potência humana) como o   significado do termo “Virtude”, pois “não são palavras elevadas que fazem o homem justo; mas é a vida virtuosa que o torna agradável a Deus” (KEMPIS, 2009, p. 20).

O homem virtuoso é aquele que não teme o bom combate, pois sabe que apesar de possuir fraquezas, tem o dever de enfrenta suas debilidades como prova de sua fidelidade a Deus Todo-Poderoso.

Do ponto de vista teológico, para nutrir uma vida virtuosa não basta aceitar a inclinação ao bem: é preciso ter em mente que desejar o mal revela uma limitação moral no que diz respeito a finalidade das ações humanas (que nesse caso seriam opostas ao bem estimado). Em outras palavras: é necessário enxergar o desejo do mal como um “beco sem saída” para a salvação do Homem (MONDIM, 1982).

Uma das inúmeras implicações práticas da Virtude no trabalho espiritual católico é a prática da caridade. O bom católico é, portanto, inevitavelmente caridoso: a doação de recursos, de tempo e de intenções durante a oração são comuns àquele que segue a Sagrada Tradição.

É natural ainda, que o virtuoso busque o fortalecimento da própria fé. A respeito disso, somado ao que foi dito anteriormente, o mesmo deve fazer uso do conhecimento de argumentos, comentários e da própria história de sua doutrina como ferramenta para tal, sem nunca viciar-se na racionalização das coisas.

Uma vez que aquele que necessita de provas para crer não está exercendo sua fé de maneira honesta, espera-se que o bom católico faça uso do intelecto à serviço do espírito, e não a serviço de seus interesses (AQUINO, 2001). A partir disso, têm-se que o bom católico sabe (ou deveria saber) a importância da ética, da moral (e todas as implicações decorrentes destas no dia-dia) e da própria Igreja, entendendo que

“A Igreja-instituição, que se impõe ao homem por vontade de Cristo e não resulta da espontaneidade religiosa do homem, essa igreja é (…) o prolongamento lógico da Encarnação e o Lugar privilegiado do encontro com Cristo e com o Pai” (BETTENCOURT, 2013, p. 215)

 

1.2 A Resignação

A resignação é a capacidade do ser humano em resistir ao sofrimento (MONDIM, 1982).

O atributo da resignação é completamente rechaçado pelo pensamento da sociedade moderna, que considera as pessoas resignadas como seres “fracos” e “conformados” com sua situação. Todavia, longe de ser um sinal de fraqueza, a resignação é uma prova de força: é a capacidade do Homem em superar as dificuldades e o sofrimento que a vida lhe impõe, conscientizando-se de que as dificuldades que enfrentamos são permitidas por Deus Todo-Poderoso para nosso engrandecimento espiritual (KREEFT, 2008).

A resignação exige o perdão das falhas do mundo e do próximo. Esse perdão está ligado à conscientização do católico em saber que habita um mundo corrupto por essência, que exige uma luta constante em prol do  desligamento da corrupção moral que nos cerca (AQUINO, 2001).

A resignação está sempre ligada a um duelo de prioridades com o mundo: da insatisfação com a falha do próximo (a “colisão das carruagens”) nasce a necessidade da resignação. Na grande maioria das vezes, a melhor vitória para um católico será a evasão antes que o embate ocorra, porque reconhecer a ocasião para o confronto requer certa sabedoria que deve ser suplicada em oração.

É natural que haja mais oportunidades para guerrear contra o próximo, que para perdoa-lo; entretanto, mesmo quando o bom católico adverte seu oponente das consequências de suas ações, ele não espera “consertá-lo” através do conflito, pois sabe que sendo mais cômodo ignorar o outro do que compreendê-lo, o católico se conscientiza de que guerrear contra o próximo não leva resolução à nenhuma das partes. Por isso, para o católico dedicado, apenas o perdão constitui verdadeira intersecção de interesses entre duas pessoas, devendo portanto ser priorizado nas relações humanas (KREEFT, 2008).

Por fim, acerca da essência da resignação, cabe refletir que amar menos a si mesmo é tão importante quanto amar mais o próximo, mesmo com todos os seus defeitos (que devemos ignorar nos resignando no perdão ao outro), pois

“Queremos que os outros sejam corrigidos com rigor, e nós não queremos ser       repreendidos. Estranhamos a larga liberdade dos outros, e não queremos sofrer recusa alguma. Queremos que os outros sejam apertados por estatutos e não toleramos nenhum constrangimento que nos coíba. Donde claramente se vê quão raras vezes tratamos o próximo como a nós mesmos”.  (KEMPIS, 2009, p. 39)

 

1.3 A Pureza

A pureza aqui descrita pode ser entendida como o resultado da constante ação do Espírito Santo sobre a alma humana. É reflexo de ambos os atributos anteriores (a Virtude e a Resignação), pois a vitória destes gera inevitavelmente a alegria dos justos.

Do ponto de vista católico, a pureza está intimamente ligada à humildade: ela depende mais da atitude do ser humano perante à vida, do que a uma simples escolha consciente por parte do Homem.

A pureza permite que a resiliência perdure mesmo diante da injustiça, e faz com que aquele que a possui coloque Deus no centro de sua vida, com naturalidade. Assim, o bom católico está menos interessado em questões mundanas do que nas espirituais, pois é católico antes de ser um cidadão do mundo. Dessa forma, o mesmo não é fascinado por discursos políticos, nem inflamado com ideologias vazias ou correntes filosóficas puramente racionais.

Além disso, o buscador que segue a doutrina católica é capaz de manifestar sua religiosidade com clareza e convicção, ao notar que:

“O mais ridículo, em suma, é que esperamos não sermos reconhecidos como cristãos, quando os de nossa relação, nossos colegas de trabalho sabem muito bem que nós o somos. Eles perceberam, por certas atitudes ou palavras que nos escaparam, que algo de                          especial nos habita, e não demoraram a fazer a ligação com nossa crença religiosa. E mesmo esses colegas de trabalho, que julgamos que irão rir de nós (acontece por vezes, mas não é nenhum martírio), esperam de nós, ao menos alguns deles, esclarecimentos, respostas a suas questões, explícitas ou implícitas. Eles se decepcionam, e com razão, se  nos calamos molemente numa conversa em que um católico deveria intervir.

Há apenas uma solução para a honra de Nosso Senhor, para a nossa própria Salvação,  para o bem das almas com as quais convivemos: mudar o rumo do comboio e reencontrar,  com a graça de Deus, o orgulho tranqüilo e humilde de sermos católicos. Exprimamos nossa fé em cada circustância em que seja útil, sem temores infundados, sem falsos pudores, sem titubeios. O mundo precisa da luz de Jesus Cristo, e não temos o direito de escondê-la debaixo do alqueire.”

(Pe. Christian Bouchacourt, Sou católico, eis a minha glória)

 

Resumindo nossa reflexão, o “bom católico” é aquele que pratica a doutrina de Cristo confiada à Pedro e difundida pelos Apóstolos, não de forma necessariamente idealista, mas de maneira alcançável a suas possibilidades no dia-dia. Ele exerce a caridade e o perdão, bem como conhece os argumentos e comentários sobre sua religião, como forma de fortalecer sua fé perante a sociedade moderna. Para isso, o bom católico deve saber quando e como defender a atitude ideal para cada ocasião, em caso de impasse moral ou   ético.

2.    Os desafios de ser um bom católico na sociedade moderna

É possível afirmar que as dificuldades enfrentadas pelo católico, em sua grande maioria, são relativas à resistência da modernidade à sua fé. De fato, não é fácil ser católico numa sociedade filha do Iluminismo e de seus ideais antropocêntricos (MONDIM, 1982).

Alguns exemplos dessas dificuldades podem ser a desaprovação da própria família do buscador à sua busca espiritual (família essa que pode ser ateísta, cética ou até mesmo protestante!); a exigência da sociedade          moderna em adotar cada vez mais posturas anti-tradicionais (frutos da herança iluminista da modernidade); e até a visão (deturpada) moderna da religião como um “clube social”. O fato é que questões a serem contrapostas no âmbito social podem ser resumidas como uma consequência da ação do Iluminismo, uma vez que a atuação de seus simpatizantes continua a moldar uma sociedade cada vez mais distante da Sagrada Tradição, e fadada ao desespero de uma vida sem sentido (MULLER, 2014).

Na presença do Materialismo, do Liberalismo, do Consumismo e do Positivismo, seria natural que o ser humano concluísse que o universo é regido por nada além do caos e da imprevisibilidade, e que caberia à humanidade impor um controle às coisas a seu redor…e esse controle seria um conceito observado sob um viés puramente humano.

Ainda espelhado no mundo incerto ao seu redor (o qual acredita ser a única realidade válida), os desígnios do homem moderno são distantes do Divino, se sustentando em relativismos e evadindo- se de tudo aquilo que não pode ser afirmado cientificamente:

“As tendências que se tinham afirmado entre estes foram levadas até às suas consequências mais extremas, e a importância excessiva que eles tinham atribuído ao pensamento racional acentuou-se ainda, para chegar ao “racionalismo”, atitude especialmente moderna que consiste não apenas em ignorar, mas em negar expressamente tudo o que é de ordem suprarracional” (GUÉNON, 1977, p. 15).

 

Herdeiro direto da Renascença, e em segundo grau do Protestantismo, o Iluminismo repudia o conceito de Deus acima do homem (Humanismo Antropocêntrico) e para isso, invalida completamente a Metafísica e até mesmo altera desonestamente a história a favor de sua visão. Portanto, como se já não bastasse a dificultosa elevação da alma devido a sua própria natureza e o choque com as almas dos demais, nesse “trajeto ascendente” (PLATÃO, 2000) o bom católico precisa lidar com um mundo que deliberadamente induz o ser humano a naturalizar vícios e ser avesso ao sobrenatural.

2.1 A importância do bom católico para a Tradição Espiritual Ocidental

Dados alguns dos desafios de ser um católico, nota-se que nenhum deles foi necessariamente, descrito como uma dificuldade particular apenas ao “bom católico”: essas dificuldades são pertinentes a todo Homem digno que não se deixe permear pelo raciocínio iluminista da modernidade. Porém, há sim pelo menos um desafio exclusivo ao católico dedicado, que não é vivenciado pelo Homem não-católico (ainda que seja um Homem digno): o impacto do tempo sobre sua prática espiritual.

É possível que um católico não seja considerado (nos termos previamente descritos) um “bom praticante” durante boa parte de sua vida (ou até mesmo durante sua vida inteira) se o medo da incerteza o privar de tentar ser um buscador dedicado. Porém, ao constatar que o “bom católico” não é um perfil a ser seguido, mas sim o perfil de todo verdadeiro seguidor, conclui-se que é válido buscar ser antes de tudo, um “católico bom” (dentro das possibilidades de cada um), posto que ser um “católico bom” é quase condição primordial para se atingir a maestria da dedicação espiritual requerida pelo Catolicismo (ser um “bom católico”).

Desta forma, sendo os dois conceitos (o “bom católico” e o “católico bom”) potência e ato do mesmo “ser”, não é de todo incoerente afirmar que o principal valor do bom católico para a Tradição Ocidental é essencialmente, o mesmo valor de todo católico: manter viva a própria Tradição Ocidental.

 

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Martins Fontes. São Paulo, Brasil: 2007 .

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica: Vol. 1. Edições Loyola. Rio de Janeiro: 2001.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Editora Nova Cultural, Ltda. São Paulo, Brasil: 1991

BOUCHACOURT, Christian. Sou católico, eis minha glória. Disponível em: https://permanencia.org.br/drupal/node/5948. Acesso em 27/01/2022, 19:36.

BETTENCOURT, Estevão. Teologia fundamental: Matter Ecclesiae. Letra Capital. Rio de Janeiro, Brasil: 2013

GUÉNON, René. A Crise do mundo moderno. Editorial Veja. Lisboa, Portugal: 1977

KEMPIS, Tomás de. Imitação de Cristo: com reflexões e orações de São Francisco de Sales. Editora Vozes. Petrópolis, Brasil: 2009

KREEFT, Peter. Manual de defesa da Fé: apologética cristã. Ed. Acadêmico: Rio de Janeiro.

MONDIM, Batista. Curso de Filosofia, Vol. 2. Paulus: São Paulo, 1982.

MULLER, Gerhard Ludwig. Dogmática católica. Petrópolis-RJ: Vozes, 2014.

PLATÃO. Fedro. Guimarães Editores. Lisboa, Portugal: 2000

VOEGELIN, Eric. Ordem e história: Vol. 2. Edições Loyola. São Paulo, Brasil: 2015

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Este post tem 4 comentários

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