Por Daniel Formaio Reis
danielf-reis@hotmail.com
A Sagrada Tradição é parte essencial da vida de todo aquele que se diz católico (TANQUEREY, 2018). Isto posto, o combate aos vícios morais é parte integrante da Santa Doutrina… motivo pelo qual todo estudante da Metafísica Católica é chamado a combater seus vícios comportamentais, como forma de aderir à Santa Tradição de maneira justa e honesta.
O objetivo deste pequeno ensaio é mostrar ao leitor a importância do combate a dois vícios morais comuns no homem moderno: a soberba e a vaidade (que leva a um elitismo espiritual). Ao longo do texto, tentamos mostrar a você leitor o quanto a arrogância e a presunção podem ser perigosos na vida de um católico, e como muitos católicos ditos “tradicionalistas” tem caído em contradição adotando posturas egoístas e arrogantes em suas vidas.
1. A Sagrada Tradição na vida de um católico
A importância da Sagrada Tradição na vida de um católico é máxima. Na verdade, a Sagrada Tradição é tão importante que sem ela não seria nem mesmo possível dizer-se católico. A Sagrada Tradição é o alicerce espiritual do Catolicismo Romano – seu alimento divino. Banhar-se nesta preciosa luz, com humildade, nos permite, aos poucos, lavar nossa alma da soberba e egoísmo e afastar-nos das trevas de nossos tempos.
Conforme observa o Catecismo da Igreja Católica (CIC):
Os que, com a ajuda de Deus, acolheram o chamado de Cristo e lhe responderam livremente foram, por sua vez, impulsionados pelo amor de Cristo a anunciar, por todas as partes do mundo, a Boa Notícia. Este tesouro recebido dos Apóstolos foi guardado fielmente por seus sucessores. Todos os fiéis de Cristo são chamados a transmiti-lo de geração em geração, anunciando a fé, a vivendo na partilha fraterna e a celebrando na liturgia e na oração. (CIC, questão 3).
A Sagrada Tradição flui, então, através desta transmissão, que fica a cargo do Magistério da Igreja. Esta transmissão, como observa o Professor Felipe Aquino, é composta, principalmente, da Divina Revelação escrita e registrada e de uma Tradição oral (AQUINO, 2017).
Impecável a observação do Professor de que se trata de uma transmissão viva, realizada no Espírito Santo enquanto distinta da Sagrada Escritura, embora intimamente ligada a ela. Observemos, pois, com piedade muitos homens e mulheres que, embora sejam sinceros em seu sentimento, caem na armadilha de tentar ligar-se às tradições já mortas há muito tempo ou, mesmo, às abominações constituídas de junções de coisas sem relação necessária umas com as outras – uma verdadeira colcha de retalhos morta.
Diferentemente disso, a Sagrada Tradição é divinamente viva, vai produzindo, ao longo do tempo entendimentos sobre questões abordadas na Santa Escritura e outras não abordadas, uma vez que, no momento da Revelação por Cristo, muitas coisas não puderam ser reveladas.
Desvincular-se desta fonte viva seria então incongruente com a vida cristã – um rápido estudo nos basta para fazer-nos ver isto: negligenciar quaisquer aspectos da Sagrada Tradição seria atentar contra esta; seria o equivalente a querer chegar ao Céu valendo-se somente de uma “bicicleta velha” (nosso próprio entendimento e interpretação sobre as coisas).
2. A necessidade do combate à soberba e ao egoísmo
Ser um católico tradicionalista não significa (ou não deveria significar!) ser elitista, presunçoso ou desumano. Infelizmente tem sido comum vermos pessoas que se dizem “católicas tradicionalistas” manifestarem posturas de intolerância, soberba, grosseria e falta de humildade. Isso nos mostra que a adesão à Sagrada Tradição Cristã não passa apenas pelo estudo da Santa Doutrina, muito menos pelo cultivo de uma personalidade exclusivista ou elitista, mas pelo desejo de conquistar outras pessoas à Doutrina Cristã através da gentileza e da interação social (LIBANIO, 2001).
Uma vez que nos convencemos sobre a importância da Sagrada Tradição e a ela vamos nos ligando, começa o verdadeiro trabalho. Apesar de ser deleitoso, não é um caminho fácil: trata-se de uma rota estreita e que necessita de nosso empenho e esforço:
“Alegre-se o coração dos que buscam o Senhor! (SI 105,3). Se o homem pode esquecer ou rejeitar Deus, este de sua parte, não cessa de chamar o homem a procurá-lo, para que viva e encontre a felicidade. Esta busca, porém, exige do homem todo esforço de sua inteligência, a retidão de sua vontade, “um coração reto”, e também o testemunho dos outros, que o ensinam a procurar Deus” (Catecismo da Igreja Católica, questão 30).
Este trabalho árduo demanda também um combate contra os valores mundanos, ou seja: contra tudo que possa nos desviar de nossa missão espiritual. Essas forças mundanas foram denominadas por São Paulo de “as potências deste mundo”, e terminam por nos afastar da busca de Deus, ainda que não pareçam ser perigosas.
Os mestres da Sagrada Tradição nos ensinam sobre os perigos dos pecados capitais que nos afastam do magistério sagrado: segundo eles, os pecados capitais são mais propriamente “inclinações ao mal”, que pecados propriamente ditos. Ainda assim, os chamamos dessa forma (“pecados”) por arrastarem o Homem aos erros; e classificamos esses erros como “capitais” por serem a origem de muitas outras falhas morais (TANQUEREY, 2018 p. 345).
A soberba e o egoísmo se manifestam sob muitas formas diferentes. Não é uma tarefa simples evitar estas más inclinações. Como o Catecismo mui bem observou na passagem supracitada: esforço, inteligência, retidão da vontade, testemunho daqueles que ensinam, e acima de tudo humildade, tudo isso faz parte do arsenal espiritual do qual o católico deve se apropriar em suas batalhas diárias contra a soberba, o egoísmo, e outra miríade de pecados e más inclinações que nos oprimem.
O orgulho tem sido marca comum no comportamento de muitos católicos dito “tradicionalistas”, que se vangloriam de serem os únicos defensores da Tradição, mas que parecem esquecer da Tradição Cristã quando se põem a combater de forma desumana seus próprios companheiros de caminhada (outros católicos), por discordâncias intolerantes e agressivas. Conforme ensina o precioso Padre Adolphe Tanquerey (2018, p. 352):
“O principal remédio contra o orgulho é reconhecer que Deus é a causa de todo o bem e que, por conseguinte, a ele pertence toda honra e glória. Nós mesmos somos nada e pecado, e não merecemos outra coisa que o esquecimento e desprezo”.
Quanto ao egoísmo, segundo Adolphe Tanquerey, trata-se de uma consequência natural e infeliz da soberba: todos aqueles que se sentem “especiais” e “únicos” por se considerarem os únicos defensores da Sagrada Tradição, tendem a viver de forma solitária e egoísta, afastados da saudável convivência com seus irmãos de caminhada (outros cristãos). Podemos destacar aqui os ensinamentos da Santa Doutrina Católica relacionados à Avareza:
“Devemos reconhecer que nossas riquezas não são um fim, mas meios, que a Providência nos dá para atender as nossas necessidades e de nossos irmãos; de que Deus sempre será o Senhor Soberano de todas as coisas, e que nós, em verdade, somos somente seus administradores. E isso, a mim vale não só para as riquezas materiais, mas quanto ao tempo que nos dedicamos a nós mesmos, a energia que gastamos no dia a dia e mais uma série de coisas que, quando direcionadas somente ao “si mesmo”, constituem o egoísmo”. (TANQUEREY, 2018, p. 373)
3. Como um católico pode combater seus vícios morais na prática?
O combate do católico aos erros morais, passa necessariamente pela técnica mais utilizada na Metafísica Católica para controlarmos nossos impulsos indesejados: a mortificação.
Com base no que temos presenciado nos últimos tempos, infelizmente podemos afirmar que alguns católicos ditos “tradicionalistas” devem tanto quanto possível desinflar-se de si mesmo por meio de uma gradual mortificação de seus instintos, como forma de atenuar os efeitos maléficos da soberba e do egoísmo sobre suas ações. Essa regra vale não só para os católicos tradicionalistas que estiverem perdendo controle sobre seu Ego, mas para todo e qualquer católico que consiga enxergar a importância de manter sua índole sob controle.
Não há absolutamente nada de errado em ser um católico “raíz” (tradicionalista). O erro consiste em achar que ser um tradicionalista, lhe torna um católico “superior” aos outros…ou achar que só você é defensor da Santa Doutrina.
Trabalhar nossas falhas morais não é um trabalho simples: trata-se de tarefa constante, que exige atenção cotidiana a nosso atos e pensamentos (TANQUEREY, 2018). Todavia, devemos nos entregar aos desígnios da Divina Providência e iniciar o processo de mortificação de nossos impulsos descontrolados, pois sem isso, nenhum trabalho espiritual pode ser feito de maneira satisfatória. Assim, acreditar que somente nosso esforço individual e nossa vontade mundana poderá controlar nossos defeitos morais, já é, por si só, incorrer em soberba.
O simples fato de sabermos que somos soberbos e egoístas, e que existem remédios espirituais para combater esses vícios morais, não é suficiente para que consigamos controla-los. Da mesma forma, o fato de sermos religiosos ou dedicados em nossas atividades espirituais, não nos exime do risco de cairmos em erro moral em nossas ações: o combate à nossas falhas morais é um combate árduo, diário, que envolve esforço, prática, perseverança, vivência, e também boa-vontade (abertura) para receber de forma desobstruída a Graça Divina, e deixar que ela atue mais profundamente em nosso ser.
Ser um católico verdadeiramente tradicionalista é “combater o bom combate”: divulgar a palavra de Cristo a todos aqueles que desejem se reaproximar da Sagrada Tradição Cristã, e dar exemplo da Santa Doutrina através de sua própria vida, atraindo outros buscadores de volta ao seio da Tradição.
Ser um católico tradicionalista não significa adotar posturas elitistas, exclusivistas e arrogantes. Não se trata de fiscalizar a vida de outros cristãos, de levar-se uma vida solitária e sem convívio social, ou de se apresentar publicamente como “o único da Tradição Cristã”. Adotar esse tipo de postura é algo comum entre jovens católicos da atualidade, que cada vez mais cedo parecem tornar-se pessoas rancorosas e egoístas, e esquecem o preceito paulino de que devemos conquistar novos corações à Cristo de forma suave e gentil.
Ser cristão no mundo moderno é uma tarefa árdua: é conviver num mundo no qual nossos instintos mais selvagens são constantemente estimulados, e onde precisamos continuamente batalhar contra nós mesmos e contra o que há de pior em nossa índole, num mundo que é filosoficamente herdeiro do Iluminismo, e nada afeito à dimensão espiritual da vida (MONDIM, 1982).
O Iluminismo insuflou seu veneno ideológico nas mais diversas áreas da vida humana, dentre as quais podem ser citadas a economia, o entretenimento, a política, a educação e a filosofia. Essas falácias filosóficas foram sendo aos poucos incorporadas ao ethos do homem contemporâneo, de forma que ele passou a aceitar seus erros morais como algo “natural”.
Diante disso, é desnecessário relembrar que os católicos devem se empenhar-se para cultivar a Moral Cristã no seio da sociedade moderna, que se encontra filosoficamente adoentada. Apesar de suas falhas conceituais em relação ao conceito de “Tradição”, René Guénon observou bem que a sociedade moderna:
“[…] focou-se no estudo empírico e analítico de fatos desvinculados de todo e qualquer princípio, a dispersão numa multidão indefinida de detalhes insignificantes, o acúmulo de hipóteses sem fundamento que se destroem incessantemente umas às outras, e visões fragmentárias que a nada podem conduzir exceto às aplicações práticas que constituem a única superioridade efetiva da civilização moderna – superioridade aliás pouco invejável e que, desenvolvendo-se até sufocar as outras preocupações, deu a essa civilização o caráter puramente material que faz dela uma verdadeira monstruosidade” (GUÉNON, 2022, p. 25-26).
Não existe saída para o católico a não ser conhecer a estrutura do pensamento moderno e suas reiteradas falácias intencionais, para então trabalhar a Moral Cristã como antídoto espiritual para a corrupção moral proposta na modernidade. Esse combate deve ser feito de forma discreta, sem vaidades…caso contrário, cair-se-ia no erro que muitos católicos tradicionalistas têm cometidos recentemente: a presunção acompanhada da soberba elitista de se considerar “superior aos outros”.
Somente agindo dessa forma, o católico poderá se proteger e atuar no mundo de forma a cultivar a Moral Cristã em nossa civilização. A ação do católico deve ser socializada: cordial, gentil, e sempre apta a auxiliar o próximo naquilo que estiver ao seu alcance. O católico efetivamente tradicionalista não pode se isolar numa caverna para resmungar sobre os males de nossos tempos, nem mesmo tornar-se alguém cuja convivência torna-se insuportável. Como brilhantemente observa o Padre Sertillanges (2019, p. 33):
“O isolamento é inumano, pois trabalhar humanamente é trabalhar com o sentimento do homem, de suas necessidades, de suas grandezas, da solidariedade que nos une em uma vida estreitamente comum. Um trabalhador cristão deveria viver constantemente no universal, na história. Já que vive com Jesus Cristo, não pode separar dele nem os tempos, nem os homens. A vida real é uma vida na unidade, uma vida familiar imensa que tem a caridade por lei…”.
Desta forma podemos dizer que é vital que o católico esteja devidamente vinculado à Sagrada Tradição Cristã, sem se deixar guiar pelas novidades modernistas que ameaçam a Santa Doutrina. Mas ainda que seja um protetor da Tradição, o católico deve ser atento também às mazelas sociais que afetam nossa convivência diária, lutando contra suas predisposições morais decaídas e estando disponível às necessidades de seus irmãos em Cristo. Assim, ser católico se torna “ser apto a auxiliar o próximo” (e não “ser dono de uma verdade solitária”).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GUÉNON, René. A Crise do Mundo Moderno. Editora Estrela da Manhã: São Paulo, 2022.
LIBANIO, J.B. Introdução à Teologia: perfil, enfoques, tarefas. Edições Loyola: São Paulo, 2001.
MONDIM, B. Curso de Filosofia, Vol. 2. Paulos: São Paulo, 1982.
SERTILLANGES, Antonin-Dalmace. A vida intelectual. Editora Kírion, Campinas, 2019.
TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia Ascética e Mística. Ecclesiae: Campinas, 2018.
VATICANO. Catecismo da Igreja Católica: Novíssima Edição de Acordo com o texto oficial em Latim, 19Ed. Edições Loyola: Rio de Janeiro, 2017.
