Por Ir. Marcus Henrique
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Na 1ª parte deste artigo, vimos que o Hermetismo tem sido interpretado de maneira deturpada por parte de muitos estudantes de esoterismo da atualidade, e que as leis herméticas têm sido analisadas sob um viés extremamente psicologizado. A partir de agora, tentaremos entender quando e onde surgiu esse ponto de vista “mental” sobre o Hermetismo e a magia, e como essa visão mentalista influenciou e vem influenciando negativamente a prática mágica na atualidade.
A popularização da Psicologia no século 19 fez com que as abordagens psicológicas ficassem cada vez mais comuns nas Ordens Iniciáticas da Europa. Na foto acima, o famoso psicólogo Carl Jung, usado atualmente como “base científica” em muitas instituições esotéricas.
A origem da interpretação distorcida das leis herméticas tem início no século 18 com o advento do iluminismo (que pregou uma reorientação da visão de mundo dos séculos anteriores, dando mais foco ao homem na terra que a Deus no céu). Porém, essa visão moderna do mentalismo ganhou realmente corpo com a popularização da Psicologia no século 19. A Psicologia rapidamente se popularizou na Europa na metade do século 19, defendendo a ideia de que o homem tem dentro de si estruturas mentais que ele mesmo desconhece, e que influenciam seu comportamento e sua postura diante da vida e de seus problemas. Esse raciocínio psicológico rapidamente ganhou popularidade no meio esotérico e ocultista europeu, que estava ansioso por validar as práticas mágicas e os estudos metafísicos com alguma forma de raciocínio científico que pudesse comprovar a magia como “ciência hermética”. Assim, o raciocínio psicológico de que o homem não conhece sua estrutura mental, abriu margens para que várias Ordens Esotéricas europeias adotassem a Psicologia como “suporte científico” de seus sistemas iniciáticos. Psicólogos como Carl Gustav Jung passaram a ser figuras comuns nos ensinamentos de diversas Ordens, se tornando “base científica” de justificativa para a magia (mesmo que em seus estudos psicológicos, esses psicólogos nunca tivessem citado magia de forma direta). A astrologia tradicional também sofreu com esse sincretismo forçado com a Psicologia, especialmente o movimento de “reorientação astrológica” iniciado na Sociedade Teosófica por Alan Leo, considerado atualmente “o pai da astrologia moderna”.
O sincretismo iniciado no século 19 entre magia e Psicologia aprofundou-se de forma trágica no século 20, gerando a aberração que temos atualmente: a chamada “magia psicológica” (ou “psicologia mágica”), tão defendida entre os estudantes de esoterismo da atualidade, e entre os chamados “ocultistas de balcão” brasileiros. Todavia, será que podemos simplesmente culpar a Psicologia por esse sincretismo forçado? De forma alguma. Se há culpados nesse sincretismo, esses culpados são as Instituições Iniciáticas europeias do século 19, que procuraram misturar e encaixar erroneamente conceitos e filosofias que nem sempre são passíveis de serem encaixados. A Psicologia por si só pode ser útil (e até necessária) no estudo de magia; porém, daí a considerar que a magia e seus efeitos são “frutos psicológicos”, há uma grande diferença. Achar que qualquer efeito mágico é fruto somente do “subconsciente” do mago é desmerecer a magia enquanto Arte sagrada. Todo aquele que pensa dessa forma, esquece-se que um dos pilares do mago é justamente sua Fé naquilo que faz e na divindade. Se o mago não tem Fé naquilo que faz, não há sentido em continuar fazendo aquilo, já que em magia, a racionalidade nem sempre pode justificar todos os efeitos mágicos possíveis. A tentativa de se tentar analisar e justificar a magia sob o viés da razão e da mente, é apenas um reflexo tardio do iluminismo e de seus efeitos sobre a prática mágica ocidental, que tentou transformar a magia em uma ciência puramente verificável através de fatos e dados quantitativos.
Essa visão mágica psicologizada piorou quando famosas personalidades do meio mágico mundial, como Helena Blavatsky, Aleister Crowley, Franz Bardon e mais recentemente Lon Millo Duqette (dentre outros) procuraram respaldar seus sistemas e práticas nesse raciocínio tipicamente “mentalista moderno”, buscando técnicas orientais (yoga) como forma de trabalho mental “propício” a possibilitar o desenvolvimento mágico de alguém. Essa “magia psicológica”, pautada na interpretação errada da lei do mentalismo, mais parece alguma forma de “exibicionismo psíquico” que magia propriamente dita. Quase sempre, esse tipo de “magia” procura enaltecer as “capacidades latentes” do ser humano e seus “potenciais mentais”, se aproximando mais do chamado “Psiquismo”, responsável por popularizar fenômenos como “clarividência”, “premonição” e “telepatia”. Curiosamente, boa parte dos estudantes de esoterismo que defendem essa visão psicológica da magia, também se interessam por esses poderes psíquicos. Para essas pessoas, “tudo se conquista com a mente”, e o querer é a chave de todo sucesso mágico… afinal de contas, como diz o ditado popular, “querer é poder”. Porém, o que esses estudantes esquecem, é que nem sempre esse “querer” gera efetivamente “poder”, pois a mente por si só não é capaz de executar todos os efeitos mágicos que o operador almeja.
Segundo Hyatt (2008), fazer magia é estar disposto a extrair resultados claros e visíveis no plano físico, já que “Magic is the manipulation of hidden forces or intelligences to produce a desired result” (HYATT, 2008, p. 20). Não existem apenas magias cujos objetivos sejam conquistados através da mente; da mesma forma nem toda magia é apenas “astral”. Algumas modalidades de magia são materiais, e seus efeitos são visíveis no plano físico (e não apenas “projeções psicológicas”), mesmo que essas modalidades também façam uso da estrutura mental do operador em certo nível.
Não basta “querer”; é preciso “saber fazer”. A Tradição Espiritual Ocidental é pautada em 4 grandes princípios: Fé, Vontade; Técnica; e Paciência. Eliphas Levi, célebre teólogo do século 19, já expressava esses princípios em suas obras, através do famoso “saber-querer-ousar-calar”. Não basta ao mago ter vontade de fazer uma ação mágica, se não sabe efetivamente fazê-la; não adianta apenas crer que “tudo dará certo”. É o mago que tem de fazer as coisas “darem certo”, através dos quatro princípios mágicos.
Algumas especialidades mágicas não admitem o uso da mente como “centro operativo” do mago: é o caso, por exemplo, da magia cerimonial ou da Teurgia. Nessas modalidades mágicas, não adianta simplesmente “querer” ou “ter Fé”. Acima de tudo, é preciso saber seguir as exigências de cada operação, cada ritual, sendo fiel ao máximo às recomendações de cada sistema ou grimório trabalhado. E é aqui que o uso do mentalismo moderno se torna perigoso. Muitos são os casos de adolescentes ou praticantes desavisados
que buscam experimentar operações de magia cerimonial usando o raciocínio tipicamente “mentalista” em ações mágicas tradicionais, como a evocação de espíritos e entidades astrológicas. Esse é um ato extremamente estúpido (além de imaturo), já que a magia cerimonial não segue esse raciocínio moderno e estereotipado de que “a mente contém tudo de que o mago precisa”. Entidades e espíritos evocados, ao contrário do que muitos “ocultistas” brasileiros pensam, não são arquétipos mentais do mago, e suas manifestações físicas não são apenas “efeitos do subconsciente do operador”. Tratam-se na verdade de entidades poderosas e autônomas, com uma existência além da compreensão humana, e com manifestação independente em relação ao mago. É por conta disso que aumentam os relatos de que muitos “mentalistas modernos” sofrem com a obsessão de entidades e a falta de controle emocional, após executarem rituais cerimoniais mal-sucedidos… fruto de suas visões deturpadas da magia e de seus efeitos.
A você leitor, que ainda não tem experiência prática em magia, mas está estudando a teoria e futuramente pretende realizar alguma operação específica, fica a dica: magia não é apenas algo mental; é algo mental também. A estrutura psicológica do mago é importante em certos aspectos, e sua capacidade de visualizar certas imagens astrais pode ajudá-lo m operações mágicas. Porém, nem toda forma de magia é apenas mental. Não caia no “conto popular” dos “ocultistas” brasileiros de que “basta acreditar para acontecer” e que “é preciso confiar na mente”; para que algo mágico aconteça, você mesmo tem de fazer esse algo se manifestar, através de sua Fé no Altíssimo (saber), sua Vontade em querer que aquilo aconteça (querer), sua Ação para que aquilo aconteça (ousar), e sua paciência para que aquilo se manifeste (calar).
Lembre-se: magia não é Psicologia, e da mesma forma, o estudo de Psicologia não é algo mágico. Nenhum efeito mágico justifica-se apenas através dos poderes da mente. A Psicologia ajuda o mago e pode tornar-se inclusive útil para a prevenção de problemas emocionais futuros, decorrentes da prática mágica (a famosa Psicoterapia). Mas isso não significa dizer que o mago pode fazer “o que lhe convir”, que as entidades evocadas num ritual “são aspectos profundos do subconsciente”, ou que “o mago é seu próprio deus”. Essas são lorotas divulgadas no meio esotérico brasileiro, que só levam à ruína do praticante de magia. Seguir ou não esse raciocínio mentalista moderno e deturpado, é um direito de cada um; porém, parafraseando Paulo (Cor, 6) em sua carta aos Coríntios: “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém” (1 Cor, 6).
REFERÊNCIAS:
HYATT, Christopher in LISIEWSKI, Joseph. Cerimonial magic and the power of evocation. New Falcon publications. Arizona: 2008.
BÍBLIA SAGRADA. 1ª carta de Paulo aos Coríntios. Capítulo 1, versículo 6.