Entendendo a Tradição Espiritual do Ocidente – Parte 4

Entendendo a Tradição Espiritual do Ocidente - Parte 4

Por Ir. Marcus Henrique

societassalomonica@yahoo.com

 

No artigo anterior, vimos como a Tradição Espiritual Ocidental é essencialmente pautada no trabalho prático com o chamado “Trivium Hermético”. Esse tripé espiritual constitui-se do trabalho com as chamadas “três artes herméticas” (Astrologia Tradicional, Alquimia Laboratorial e Teurgia), e constitui-se na essência da prática espiritual do homem ocidental. Dessa forma, o trabalho com essas três artes constitui-se em algo prioritário, dentro da espiritualidade do Ocidente.

Neste artigo, iremos analisar quando (e como) a essência da Tradição Espiritual Ocidental começou a ser atingida pela propagação dos ideais iluministas, e como o próprio Iluminismo deu origem a uma tradição espiritual própria no Ocidente, conhecida atualmente como “Esoterismo Moderno”.

 

O advento do Iluminismo no Ocidente, e a mudança de paradigma do homem ocidental

O Iluminismo foi uma corrente de pensamento que surgiu no século 17 e ganhou força no Ocidente a partir do século 18. De uma forma resumida, o Iluminismo pregava a ideia de que o homem é um ser vivo autêntico, dono de inteligência e de livre-arbítrio, que deve assumir as “rédeas” sobre sua vida e seu destino sem depender de Deus ou de qualquer religião estabelecida.

Na prática, o Iluminismo representou uma tentativa concreta do ser humano de se opor à Religião e ao pensamento religioso (especialmente o pensamento judaico-cristão), por considerá-los prejudiciais para a “autonomia” e “evolução” da humanidade (uma vez que a Religião “prendia” o ser humano a dogmas). O pensamento iluminista básico tentava proclamar uma espécie de “independência espiritual” do ser humano, reorientando a visão do homem ocidental: se no período medieval o homem olhava “para cima” (tinha Deus como seu foco maior de atenção), no Iluminismo o homem passou a “para baixo” (para si mesmo), tendo sua vida, seu bem estar e a resolução de seus problemas, como sua maior preocupação.

Por conta dessa proposta de existência absolutamente antagônica ao paradigma histórico (e natural) do homem ocidental, o Iluminismo rapidamente escolheu seus “adversários filosóficos”: a Idade Média foi eleita o primeiro grande adversário iluminista, e passou a ser considerada um período de “trevas e ignorância”, em que o ser humano foi mantido “sob cativeiro intelectual” e “amarrado” à Religião sob ameaça de “castigos”.

O segundo grande inimigo iluminista não podia ser outro: a Religião, e o Judaico-Cristianismo, considerado por muitos iluministas o responsável pela “ignorância científica” propagada na Idade Média. Na ótica iluminista, foi o Judaico-Cristianismo que atrasou o avanço cultural e científico da humanidade, quando “impediu” o homem de buscar soluções para os problemas de sua existência, a partir de suas próprias iniciativas.

A estratégia iluminista para combater seus dois grandes inimigos filosóficos foi recorrer a um “saudosismo cultural” curioso: passou-se a buscar a espiritualidade greco-romana como uma busca por algo “clássico”,

O chamado “Renascimento” foi o 1º momento do Iluminismo, e se caracterizou como uma valorização da filosofia greco-romana. Porém, o que parecia ser um “resgate da antiguidade”, na verdade revelou-se uma estratégia iluminista de combate ao pensamento religioso medieval (especialmente à filosofia judaico-cristã), e à própria essência da Tradição Espiritual do Ocidente.

que ainda não tivesse sido “contaminado” pelo pensamento judaico-cristão, e ainda possuísse um estado de “pureza existencial” (culturalmente, filosoficamente e espiritualmente falando). Do dia para a noite, Grécia e Roma passaram a ser vistos pelos autores iluministas como “o berço da civilização ocidental”, representando um período da história humana considerado por todos os inimigos da Idade Média como uma “era dourada” (anterior à era de “escuridão” medieval).

Porém, o que à primeira vista pode ser considerado uma visão romântica da cultura greco-romana, através de um apego à antiguidade clássica, na verdade foi apenas uma estratégia criada pelo Iluminismo para enfraquecer a Religião no Ocidente, e especialmente para enfraquecer as bases do Judaico-Cristianismo frente ao ser humano. Tudo não passava de um jogo de interesses: buscava-se a antiguidade greco-romana não por seu “brilhantismo filosófico ou teológico” (que na verdade não interessava ao Iluminismo), mas unicamente com o intuito de se desconstruir uma das bases espirituais da Tradição no Ocidente: a filosofia judaico-cristã (GUÉNON, 2017). Essa busca pela “glória da antiguidade” foi a 1ª etapa do Iluminismo, conhecida atualmente como “movimento renascentista”, ou simplesmente “Renascimento” (séculos 16 e 17).

Apesar de sua forte influência no Ocidente, o Iluminismo não pode ser considerado um movimento filosófico unificado. A partir de meados do século 17 e início do século 18, o pensamento iluminista passou a adotar um discurso ainda mais oposicionista e agressivo ao pensamento religioso ocidental: surgiram então diversas filosofias “dentro da filosofia”, gerando correntes de pensamento que defendiam abordagens distintas em relação à Religião e à Tradição. Todavia, todas essas correntes tinham pontos em comum: buscavam a destruição (e desconstrução) da essência e do conceito da Tradição; davam ênfase à “independência” do ser humano; estimulavam à prática científica sob um viés materialista (classificado no pensamento iluminista como um “espírito investigativo independente”); e procuravam desconstruir a base moral da sociedade ocidental, propondo um relativismo cultural, filosófico, político e espiritual.

Entre as principais correntes iluministas propagadas no Ocidente nos séculos 17 e 18, podemos destacar:

a) Ceticismo: defendia a ideia de que o ser humano deve duvidar de tudo, e só deve acreditar em algo após esgotar todas as suas tentativas de negar aquilo que está investigando. Essa é uma corrente de pensamento amplamente usada na modernidade, e que teve o objetivo inicial de estimular a descrença espiritual, enfraquecendo o pensamento religioso;

b) Relativismo: defendia o pensamento de que tudo é relativo, e depende do ponto de vista de quem analisa a situação. Não se pode chegar a conclusões sobre assunto nenhum, até que se esgotem todas as possibilidades (que são quase infinitas!) de análise de determinado assunto. Conclusões tiradas sobre determinado assunto, na ótica iluminista são quase sempre consideradas ”generalizações”, pois desconsideram os “detalhes” que cercam aquele assunto. Essa corrente iluminista também é bastante empregada no pensamento moderno, pois dá margem para discussões “eternas” sobre questões de qualquer natureza, dando liberdade pra que o homem possa manifestar os posicionamentos que quiser em relação a qualquer assunto (mesmo que seus posicionamentos sejam incoerentes e careçam de validade filosófica);

c) Humanismo antropocêntrico: corrente de pensamento iluminista que defendia o argumento de que o ser humano é o principal ente a ser considerado na natureza. Toda a preocupação do homem deve ser com seu próprio bem-estar, com a promoção de sua “dignidade”, e com a busca por melhorar sua condição social. Nessa corrente iluminista, o valor da Religião e da espiritualidade não é negado; mas é colocado em segundo plano, em detrimento dos interesses do homem. As necessidades do ser humano vem antes das necessidades de Deus (que não precisaria de atenção por “já ter tudo”, e “por ser Deus”);

d) Subjetivismo: corrente iluminista “parceira” do Relativismo. Enquanto este defendia que tudo é relativo e depende da visão de quem analisa cada situação, o Subjetivismo defendia a ideia de que toda análise que é feita sobre algo depende diretamente da interpretação (subjetiva) de cada indivíduo, a partir de suas convicções morais, culturais e filosóficas. Essa corrente tentava justificar o Relativismo, a partir das diferenças sociológicas do ser humano, usando os diferentes contextos de vida do homem para concluir que “não se pode concluir nada de forma unificada sobre o ser humano”. O Subjetivismo abriu margem para o surgimento (no século 19) de outra tendência iluminista, o “psicologismo”: a crença de que o homem possui em si tudo que precisa (sua mente), e de que tudo que ocorre a seu redor é fruto da interpretação que sua mente dá ao mundo;

e) Materialismo: corrente de pensamento perigosa e extremamente nociva ao homem ocidental, que defendia a ideia de que a preocupação do ser humano tem que ser com a realidade que lhe é palpável, e com aquilo que pode ser manipulado de forma direta e objetiva. A Religião preocupa-se com o que “não pode ser provado” ou comprovado (Deus); por isso, preocupar-se com ela (Religião) é uma “perda de tempo” para os materialistas: o ser humano deve preocupar-se unicamente com aquilo que ele pode modificar ou “corrigir” (e que está a seu alcance). O Materialismo era “parceiro” de outra corrente de pensamento iluminista também extremamente nociva à Tradição Espiritual Ocidental: o Ateísmo. Para o Materialismo, a Religião e a espiritualidade tornam o homem “fraco” e “escravo”, o que impossibilitaria a “revolução cultural” necessária para modificar as estruturas sociais do homem moderno. O pensamento materialista está presente na modernidade através do chamado “marxismo” (Materialismo Histórico-Dialético);

f) Progressismo: corrente de pensamento iluminista que defendia a ideia de que a existência do ser humano deve seguir sempre uma linha “evolutiva”: o homem deve sempre procurar “aperfeiçoar” o que já existe e “melhorar” seu modo de vida. A vida deve seguir sempre “pra frente” (avançar), rumo a um estado de perfeição que só será obtido mediante a ajuda da ciência moderna. Os “erros” do passado devem ser “corrigidos” através do método científico e da atitude de busca “da verdade” pelo ser humano. O homem deve estar sempre disposto a “mudar” e a “se adaptar” no mundo, pois nada pode permanecer “parado”, e tudo deve estar em constante “mudança e evolução” (“progredindo”). Assim, para o Progressismo, olhar para o passado é prender-se ao que é “obsoleto”: a visão do homem deve ser orientada sempre para o “futuro”;

g) Pragmatismo: corrente iluminista muito difundida na atualidade, que defende a ideia de que tudo que existe tem que ter uma “utilidade” (função) ao ser humano, e deve gerar resultados palpáveis à vida do homem (de preferência, resultados rápidos). O homem deve ser “satisfeito” em seus desejos, e para isso, toda a natureza deve ter uma utilidade prática na vida humana. A espiritualidade não foge à essa regra: não se pode gastar tempo com atividades espirituais dogmáticas, “teóricas” e “lentas”, pois elas são “inúteis” e não são pautadas na busca por resultados instantâneos. Assim, o valor de algo está em sua “utilidade prática” para o ser humano, pois o que importa ao homem é a obtenção de resultados (e não a filosofia por trás desses resultados);

h) Liberalismo: essa é talvez a corrente de pensamento iluminista mais nociva ao pensamento do homem ocidental. O Liberalismo defende a ideia de que o homem tem que ser “livre” para pensar, agir e especular sobre o que quiser, da forma que quiser, sem ser de nenhuma maneira punido pelo que decidir fazer a partir de seu pensamento. Defende uma “liberdade de ação” quase ilimitada do homem (algumas vezes até mesmo ilimitada!), que abre margem para posturas contraditórias, luxuriosas, antiéticas e até mesmo ilegais do ser humano. Seus frutos foram perniciosos e extremamente nocivos à história do homem ocidental: por ter sido concebido na “reforma” protestante (a “mãe” do Iluminismo), o Liberalismo gerou as sementes do capitalismo selvagem moderno, pautado no lucro desenfreado (o que gerou o aumento das desigualdades, da pobreza e da exploração), e também influenciou o enfraquecimento do pilar judaico-cristão, através do fortalecimento do protestantismo (já que o Liberalismo é uma das “bandeiras” da “reforma” protestante).

 

É necessário destacar que nem todas as correntes iluministas eram necessariamente céticas, ou negavam a efetividade da Religião: é o caso, por exemplo, das tendências de pensamento iluministas da primeira metade do século 17: para essas correntes de pensamento, Deus e a Religião não eram negados, mas eram apenas “aspectos menores” da existência humana. Analisar Deus era analisar algo sempre tendo o ser humano como base de sustentação argumentativa (e não o próprio Deus).

O Racionalismo e o Empirismo, correntes iluministas encabeçadas por René Descartes e Francis Bacon, respectivamente, seguiam exatamente esse tipo de raciocínio. O Racionalismo foi uma corrente criada a partir do pensamento de Descartes (pensamento cartesiano) de que só se deve confiar na mente, pois ela é a única capaz de fazer uso da razão para levar o homem à verdade. Assim, Deus não deveria servir como critério de alcance da verdade, mas unicamente como objeto de devoção imaterial.

René Descartes é tido como um dos baluartes do pensamento iluminista: é dele a autoria do chamado “Racionalismo”, além de também ser tido como o “fundador da Filosofia Moderna”. Apesar de não negar a existência de Deus, Descartes defendia a ideia de que o ser humano deve usar sua razão, tida por ele como a única ferramenta capaz de levar o homem à “verdade”.

O Racionalismo cartesiano não negava a existência de Deus e nem se opunha à Religião e à espiritualidade; porém, deixava claro que Deus não pode ser “testado” ou “comprovado” através da razão, e por isso mesmo sua existência não deve ser debatida. Assim, a única preocupação do homem devia ser com sua mente, que é a única coisa presente em si que o aproxima de Deus (DESCARTES, 1979).

Já o Empirismo é uma corrente criada a partir da obra de Francis Bacon, e defendia a ideia de que só se deve acreditar naquilo que for devidamente comprovado através de comprovação direta (empírica), sem se deixar levar por achismos e falsas ideias. Para Bacon, toda especulação filosófica feita sem experimentações comprobatórias, não passariam de “ídolos” (no sentido negativo do termo): crenças cegas em conceitos, formuladas sem comprovação prática (“científica”).

 

O surgimento do Esoterismo Moderno

Se opondo de maneira tão radical ao conceito de “Tradição perene”, não demorou para que o Iluminismo atingisse diretamente o seio da própria Tradição Espiritualidade Ocidental.

Com o surgimento da industrialização, o modo de vida essencialmente agrário do homem ocidental foi substituído por um modo de vida urbano, pautado no trabalho com o manejo de máquinas. O enfraquecimento das monarquias ocidentais acentuou-se a partir do século 18, comprovando que o pensamento iluminista já havia deixado marcas no campo da política (propondo formas de governo mais “democráticas” e liberais, e dando margem para que o homem pudesse governar de maneira dissociada da Religião).

O “rastro iluminista” também se fez perceber através do progresso da ciência moderna no século 19: através de novas descobertas (especialmente no campo da medicina e da astronomia) a ciência moderna pareceu validar a ideia iluminista de “progresso” e “avanço” da humanidade.

A espiritualidade moderna do século 19 se viu cada vez mais obrigada a se alinhar aos preceitos científicos (se ainda quisesse ter alguma forma de “respeito” em sua sociedade). A espiritualidade tradicional Ocidental passou a ser cada vez mais vista como “superstição” e sinônimo de “crendice popular” (algo completamente alheio ao pensamento cientificista do século 19). Assim, diversas Ordens Iniciáticas e correntes espirituais modernas passaram a dar um ar de “cientificidade” a suas teorias e práticas, na esperança de atrair para si alguma espécie de respeito ou respaldo científico. Valia tudo para chamar uma prática espiritual de “ciência”: desde manter registro minucioso de exercícios espirituais nos chamados “diários” (na tentativa de replicá-los e transformá-los em “experiências de laboratório”), até mesmo convidar cientistas e pesquisadores materialistas da época para presenciar fenômenos espiritualistas, sob a pretensa justificativa de se analisar esses fenômenos “sob o julgo da razão” (como o fenômeno espírita das “mesas girantes”, registrado por muitos curiosos em pleno século 19). Assim, nascia ali, entre o final do século 18 e início do século 19, o que se conhece atualmente por Esoterismo Moderno.

A espiritualidade moderna rapidamente se apoderou das três artes do Trivium Hermético (que analisamos na 3ª parte desta série de artigos) e as deturpou, fazendo “ajustes” com o intuito de transformá-las em “ciências ocultas”. Essa foi a estratégia usada pelo Esoterismo Moderno para tentar conseguir algum tipo de respaldo sobre si mesmo, já que a espiritualidade praticada na modernidade é na verdade um amálgama de conceitos: um conjunto de adaptações, criações, ajustes e deturpações feitos a partir da Tradição, sem nenhum (ou com pouco) embasamento teórico ou filosófico (GUÉNON, 2017).

Podemos dizer, de forma sucinta, que as duas grandes características do Esoterismo Moderno são sua capacidade de criar novos conceitos (e tendências espiritualistas) a partir das descobertas promovidas pelo pensamento científico; e principalmente, sua capacidade de deturpar os conceitos clássicos da Tradição Espiritual Ocidental. Riffard (1990) classifica assim a deturpação de conceitos que a modernidade promove em torno do Esoterismo Tradicional:

O Esoterismo Tradicional é desfeito, submetido à metamorfose. Na impossibilidade de abatê-lo, pode-se desnaturá-lo. Há a falsificação, acobertada pela compreensão. Pode-se assim interpretá-lo, deformá-lo, reconstruí-lo, modernizá-lo, traduzi-lo. No caso de desgaste, descarta-se todos os aspectos sagrados, secretos. (RIFFARD, 1990, p. 24)

 

O Esoterismo Moderno não sobreviveria apenas de suas próprias criações espirituais, baseadas numa aproximação com a ciência materialista. Ele precisa se respaldar: precisa de algo que lhe dê uma história própria, uma identidade própria. Porém, para conseguir isso, a espiritualidade moderna recorre justamente aos valores da Tradição Ocidental, porque sabe que a espiritualidade tradicional bebe diretamente das bases da própria Tradição perene (e imutável). Assim, o Esoterismo Moderno procura promover uma mistura de conceitos: ele mescla suas criações espirituais com o que considera “útil” da Tradição Espiritual Ocidental, deturpando tudo aquilo que considera necessário para que consiga estabelecer uma “proto-tradição” (GUÉNON, 2017). E por mais incrível que pareça, isso deu certo: o Esoterismo Moderno constitui-se hoje, numa vertente espiritual autônoma, independente da Tradição Ocidental, mas originada de seu seio (seguindo porém, uma trilha espiritual distinta).

Com a expansão do Esoterismo Moderno, a Astrologia Tradicional foi a primeira a sofrer os efeitos da “cientificidade iluminista” reinante no século 19: através do teosofista Alan Leo, a Astrologia Tradicional, caracterizada pelo trabalho com predições de acontecimentos na vida do ser humano, transformou-se numa “pseudociência”, fortemente influenciada pela Psicologia Moderna e preocupada em descrever a personalidade do homem e como ele reage às situações que se apresentam em sua vida. Nascia assim a chamada “Astrologia Moderna” ou “Astrologia Transpessoal”.

A propagação da Psicologia Moderna já no inicio do século 20 caiu como “luva” para a espiritualidade moderna. A teoria de Carl Gustav Jung passou a ser vista (e ainda é) como uma espécie de “comprovação científica” das teorias espirituais e filosóficas defendidas por Ordens Iniciáticas e correntes de pensamento pós-século 19. De uma hora para outra, os conceitos da teoria junguiana para explicar o comportamento do ser humano passaram a ser utilizados de forma completamente desproporcional no Esoterismo Moderno:

A psicologia é parte integrante do Esoterismo Moderno, e é comum que várias correntes filosóficas da modernidade usem teorias psicológicas (especialmente as teorias de Carl Gustav Jung) para tentar explicar “cientificamente” a natureza dos resultados obtidos em suas práticas espirituais.

todo padrão comportamental do homem ocidental passou a ser considerado “arquétipo” de alguma coisa; todos os símbolos espirituais passaram a ser analisados com profundo interesse “oculto”; todo problema na vida do ser humano passou a ser considerado um “complexo mental”; e todos os efeitos de qualquer prática espiritual passaram a ser considerados frutos de “sincronicidade”. E o mais curioso disso tudo: Jung não era astrólogo; não era mago; não era alquimista; e não escreveu absolutamente nada em sua teoria que falasse de maneira objetiva sobre o trabalho com o Trivium Hermético. Jung era tão somente um (excelente) psicólogo, e sua teoria procurava servir de base para seu método psicoterapêutico (que propunha um tratamento mais “espiritualizado” e sensível que o método psicanalítico freudiano).

De toda forma, a utilização da Psicologia Junguiana no Esoterismo Moderno caracterizou a espiritualidade contemporânea como uma verdadeira “auto-ajuda psicológica”; a partir daí, a “psicologização” também a Alquimia Laboratorial e da Teurgia foi apenas questão de tempo…

A Alquimia Laboratorial passou a despertar cada vez menos interesse nos estudantes modernos, por conta dos altos custos de montagem de um laboratório alquímico e da dificuldade de se encontrar instrutores (alquimistas) realmente dispostos a compartilhar os ensinamentos da grande obra. Assim, a partir do século 19, ganhou destaque a chamada “Alquimia Mental”, uma forma completamente psicologizada de se abordar o processo alquímico.

Focada na transformação da personalidade do ser humano, a Alquimia Moderna (Mental) passou a ser representada (especialmente no século 20) por diversos autores do chamado “movimento New Age” (Nova Era), vertente espiritualista oriunda dos Estados Unidos e responsável por divulgar no Esoterismo Moderno uma verdadeira “salada” de teorias e filosofias, que misturam desde o bem-estar do ser humano (holismo) até conceitos como “fraternidade branca”, “mestres ascencionados”, teoria da “terra ôca”, “Shamballah” e “chama violeta”.

Dessa forma, ao invés de abordar a criação de remédios e o tratamento espiritual do ser humano através de uma ascese espiritual (como a Alquimia Laboratorial faz), a Alquimia Moderna passou a ser vista como a necessidade do ser humano de “transmutar seus defeitos psicológicos em virtudes”. Assim, a transmutação metálica passou a ser vista também na Alquimia Mental como “transformação do chumbo dos defeitos em ouro de virtudes”. Autores como Saint Germain passaram a ser tidos como expoentes desse tipo de processo alquímico [1].

Na 5ª parte desta série de artigos, veremos como o Esoterismo Moderno “aperfeiçoou” sua lógica espiritual ao longo dos séculos 19 e 20, através da definição de um “cânone teórico” estabelecido a partir das obras de 4 autores específicos (tidos no meio esotérico moderno como “ícones” da espiritualidade contemporânea).

 

REFERÊNCIAS

DESCARTES, René. Discurso do método: meditações, objeções e respostas. Ed. Abril Cultural. São Paulo: 1979.

GUÉNON, René. A crise do mundo moderno. Instituto René Guénon de estudos Tradicionais – IRGET. São Paulo: 2017.

RIFFARD, Pierre. O Esoterismo: antologia do esoterismo ocidental. Ed. Mandarim. São Paulo: 1996.

[1] Que na verdade é um processo incompleto, mas não necessariamente errado, já que o trabalho sobre os defeitos da personalidade também é feito na Alquimia Laboratorial, ao passo que o trabalho laboratorial não é feito na Alquimia Mental.

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