Tradição vs Tradicionalismo
O estudante que deseja se aprofundar no estudo da espiritualidade ocidental precisa diferenciar bem o conceito de “Sagrada Tradição”, do movimento “tradicionalista” que se apoderou desse conceito e muitas vezes o deturpou.
A Sagrada Tradição Cristã é a base da Moral ocidental, e é representada essencialmente pelo Catolicismo (RIFFARD, 1990). É através dessa filosofia perene (transmitida ao Homem ocidental por séculos), que a espiritualidade do Ocidente sustenta toda sua Ética e organiza a busca do ser humano pelo sagrado.
Já o “Tradicionalismo” é um movimento filosófico recente (pós-século 19), que defende o resgate de valores tradicionais na vida ocidental através de uma crítica à modernidade e a seus ideais. O movimento tradicionalista sustenta grande parte de seu discurso nas ideias do filósofo francês René Guénon, e na corrente filosófica fundada por ele (o chamado “perenialismo guenoniano”).
Apesar das críticas guenonianas à modernidade terem certa coerência, não se deve confundir o estudo da Sagrada Tradição Cristã com a filosofia defendida pelo perenialismo guenoniano: o movimento tradicionalista de René Guénon defende um indiferentismo religioso influenciado em grande parte, pelo relativismo espiritual divulgado anos antes por Helena Blavatsky e sua “Teosofia” (que era em si mesma, essencialmente anti-Cristã).
O perenialismo guenoniano defende a ideia absolutamente equivocada (e esotérica!) de que a Tradição se manifesta em diversas religiões ao mesmo tempo, e que as religiões consideradas “tradicionais” seriam “equivalentes entre si”, possuindo “pesos espirituais iguais”, uma vez que possuiriam também uma mesma “base espiritual comum”. Por esse motivo, para Guénon, o verdadeiro buscador deveria estudar a fundo todas as religiões que o tradicionalismo guenoniano considerasse tradicionais (Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Budismo e Hinduísmo), já que essas religiões guardariam “aspectos comuns da Tradição”…e quem não aceitasse fazer esse estudo comparativo, estaria na agindo (na ótica de Guénon) de maneira “fanática” e “intolerante”.
Na prática, as ideias apresentadas por René Guénon a respeito de sua interpretação sobre o conceito de “Tradição” são completamente equivocadas, e se assemelham muito a falácias esotéricas. O conceito de “unidade das religiões” era uma ideia amplamente trabalhada nas Ordens Iniciáticas europeias durante o século 19, sendo amplamente defendido por Helena Blavatsky (uma dos pilares do Esoterismo Moderno) em suas críticas ao Catolicismo.
A filosofia perene trabalhada no Ocidente sustenta seus ensinamentos na Moral Cristã, acrescidos de interpretações Cristãs de elementos oriundos de outras tradições não-Cristãs ocidentais, como a tradição pagã, a tradição egípcia, a tradição greco-romana e a tradição judaica.
Diferente do que os tradicionalistas guenonianos defendem, a Tradição “não é a mesma”, e não se manifestou simultaneamente em vários povos. O que ocorreu ao longo da história Humana, é que Deus Todo-Poderoso usou as diversas tradições não-Cristãs para dar vislumbres à humanidade da mensagem que seria enviada ao mundo através da pessoa de Cristo. Esses vislumbres nem sempre foram aceitos pelos povos pré-Cristãos, como os judeus, que rejeitaram a mensagem de Cristo (TANQUEREY, 2018).
O maior erro do perenialismo guenoniano é tratar as diversas religiões ocidentais como “manifestações equivalentes” que podem ser vivenciadas de forma simultânea. Isso só deixa claro a indiferença religiosa que o tradicionalismo guenoniano alimenta em sua filosofia (fruto da influência que sofre da Teosofia de Blavatsky, apesar desta também ser criticada por Guénon), igualando as religiões ocidentais como se fossem fenômenos “semelhantes” ou passíveis de serem “igualados”.
Atualmente, o Tradicionalismo guenoniano vem sendo utilizado por grupos políticos extremistas que tem utilizado as ideias perenialistas de René Guénon para justificar comportamentos elitistas, exclusivistas e intolerantes. Alguns desses grupos sequer são formados por Católicos genuínos (apesar de se apresentarem publicamente como “católicos tradicionalistas”). Por conta disso, a Societas Hermetica Salomonica enfatiza aos buscadores a necessidade de saberem separar o estudo da Santa Tradição Cristã, das ideias de cunho político e filosófico que o movimento tradicionalista guenoniano impõe ao conceito de “filosofia perene”. A Sagrada Tradição não é algo relativo, elitista ou exclusivista: é algo disponível a todos os povos, divulgado a partir da vida e da obra de Cristo, e que encontra no Catolicismo o seu maior canal de divulgação no Ocidente (KREEFT, 2008).